Ricardo Dias começou a consumir oxigénio e outros recursos naturais em 1 de Setembro de 1978, e desde então não parou de o fazer. Reza a lenda que a sua primeira palavra foi “zero”, o que augurava coisas estranhas. Frequentou, contrariado, a escola, durante doze anos, apenas para descobrir que no ano em que ingressava no ensino superior não havia vagas no curso de assassino profissional. Assim, optou por Medicina, onde se mantém activo. Especializou-se em Medicina Legal mas o único zombie que viu até hoje foi o seu reflexo no espelho da casa de banho pela manhã. Ambiciona que a primeira palavra do seu filho seja “livro”.
Marcelina Gama Leandro: Queres-nos falar rapidamente um pouco de ti?
Ricardo Dias: Ora aí está um tópico de conversa com o qual nunca me sinto muito à vontade… Bem, não sei o que dizer de interessante. Se tivesse de ir a um daqueles concursos de
dating, estava tramado, não ia conseguir impingir-me a ninguém. Ainda bem que a minha mulher não me deixa a ir a essas coisas!
Bem, para parar de fugir ao assunto, sou um tipo que adora tudo o que puxe à imaginação, e os géneros de fantasia/ficção científica/horror são, para usar uma expressão cuja origem nunca entendi muito bem, “a minha praia” (o que tem piada, porque eu não gosto de praia). Adoro ler e ver filmes, bem como jogar jogos vídeo (são os meus passatempos favoritos), e também gosto de tudo o que envolva criar. Escrever, desenhar, até construir coisas em Legos.
Desde miúdo que tenho esses gostos (ok, a escrita foi um “achado” de anos mais recentes). Também aprecio particularmente tudo o que envolva humor refinado (humor britânico é o meu favorito), sendo acusado frequentemente de ser gozão e de não saberem quando estou a falar a sério ou a meter-me com as pessoas. Admito que muitas vezes trata-se da segunda situação. Mas é mais forte que eu.
Principalmente, tenho muita pena de não ter mais tempo para me dedicar a essas actividades, mas como a alternativa era abandonar família, amigos e emprego e nas grutas dos eremitas o sinal wi-fi costuma ser fraco, tenho que me contentar com os bocaditos que vou arranjando. Quem sabe, um dia sai-me o Euromilhões e posso largar o trabalho. Talvez comece a jogar, sempre melhora as probabilidades de ganhar um jackpot.
MGL: Como estreante por estas andanças das publicações, como surgiu a ideia de submeter à Fénix o teu conto e como correu esta experiência?
RD: Bem, isso aconteceu mais por acaso do que outra coisa… Fui apresentado ao Álvaro por um conhecido comum nosso (o Vasco, na Mundo Fantasma), que de repente me indigitou (se bem me lembro, apontou mesmo o dedo) a dizer que eu escrevia umas coisas. Sendo naturalmente tímido, tentei esconder-me atrás de um balcão de revistas, mas já estava exposto.
Na altura estavam ainda a recolher material para a publicação e o Álvaro sugeriu que eu desse uma olhadela ao site da Fénix e se estivesse interessado, enviasse algum conto para apreciação. Escolhi um dos meus favoritos, naturalmente, e enviei. E como gostaram, bem, suponho que se pode dizer que a experiência correu bastante bem.
MGL: Para além da escrita, o desenho é outro dos teus prazeres, qual a importância que lhes dás no teu dia-a-dia.
RD: Mais do que a escrita, consigo dedicar-me ao desenho com mais facilidade. No caso da escrita, apenas me dedico à mesma em frente ao meu computador (não gosto de escrever à mão, estou demasiado habituado a teclados), enquanto que no caso do desenho, basta-me ter algo com que escrever e um pedaço de papel, e sai logo qualquer coisa. Em qualquer lugar. Desde miúdo que sou assim. O meu boletim de vacinas (ainda tenho o original) tem algumas amostras da minha primeira arte, quando me levavam a um restaurante, eu enchia as toalhas de papel de desenhos (com a vantagem para os adultos de que não havia Ricardo a fazer barulho), e mesmo no meu percurso escolar, enchia os cadernos e os livros com gatafunhos. Os meus professores passavam-se um bocado com isso, mas normalmente sossegavam depois de verem que isso não me impedia de tirar boas notas. Ainda hoje tenho o vício de estar a desenhar em alturas em que estou parado, por exemplo, nas reuniões de serviço no trabalho. O meu bloco de notas tem mais desenhos que apontamentos. Mas a verdade é que desenhar me acalma e até me ajuda a concentrar no que se passa à volta (se estiver a tentar só ouvir a reunião, por exemplo, passados 5 minutos estou a sonhar acordado).
Quanto à escrita, é um bom escape para as minhas ideias malucas, mas é mais difícil, como expliquei atrás, dar-lhe a devida dedicação.
MGL: Tive já o prazer de ler mais contos teus, que desde já posso dizer que gostei imenso, mas fiquei intrigada, qual a inspiração para estes? Em algum ponto a tua experiencia profissional tem influência no que escreves?
RD: A minha inspiração, em geral, deriva da minha imaginação hiperactiva. A minha imaginação parece a do Calvin, no Calvin & Hobbes ou a do J.D. na série Scrubs. Se não tiver algo em que concentrar, lá está ela a tentar manifestar-se. Para além disso, foi sempre alimentada com dieta rica em livros, filmes, banda desenhada, jogos e afins. Com um regime desses, os elementos estão todos lá, e volta e meia encaixam-se em formas engraçadas. Como foi o caso desses contos de que falas.
Se quiseres que seja mais concreto, no caso de “Um Dia de Trabalho”, sempre gostei da guerra eterna entre o Paraíso e o Inferno, especialmente de tudo o que diz respeito a demónios. Quanto aos conceitos finais, lembro-me de uma história que vi numa curta-metragem, há muitos anos, baseada numa história contada por uma criança, em que Deus e o Diabo se reuniam ao fim do dia, num escritório, de fato e gravata, para fazer o balanço das suas actividades diárias. Acho o conceito delicioso, e creio que me ajudou a definir o tom da história.
Normalmente, não diria que a minha experiência profissional influencia a minha escrita de um modo tão significativo como as toneladas de coisas que leio, vejo ou jogo.
MGL: Queres referir algo que te pareça importante mencionar e deixar aqui algum contacto?
RD: Vou deixar o meu apelo: parem de ler isto e escrevam, desenhem, vão criar qualquer coisa! Nem que seja comprar uma peça no IKEA e montá-la à vossa vontade ignorando as instruções! Puxem pela imaginação, é o que faz de nós quem somos.
Quem me quiser contactar (nem que seja apenas para me chamar “palerma”), pode fazê-lo através do
mail
(c) todos os desenhos são da autoria de Ricardo Dias.