Ana Cláudia Silva participa no número dois da Fénix na dupla qualidade de artista da (belíssima) capa, como com o conto "O estranho livro sem palavras". Licenciada em Linguas e Literaturas Modernas: Inglês e Alemão, pela Universidade do Porto, escreve e desenha nos seus tempos livros. Participa desde 2008 no NaNoWrimo, sendo neste momento a Municipal Liaison nacional. Tivemos oportunidade de lhe fazer uma pequena entrevista onde ela nos falará um pouco mais dos seus projectos.
Capa de Ana C. Silva
Marcelina G. Leandro: Será que nos queres falar um pouco de ti?
Ana C. Silva: Se tivesse que escolher uma palavra para me definir seria "Ornitorrinco". Vagamente adorável e fofinho, mas há um elemento de estranheza que está sempre por trás. Os ornitorrincos (e eu) somos feitos de muitas partes diferentes e acabamos por ser mais que a soma delas. Além do mais, soa mais interessante que só dizer que sou 'indecisa', porque é também o que acabo por ser. Já era assim desde miúda. Ah, espera, esta era a parte onde devia falar onde nasci e que curso tenho e que faço da vida? Bom, nasci da minha mãe e do meu pai -- sabem, quando dois adultos gostam muito um do outro--ah, não era isto também? Pronto, quando tinha 1 ano, era muito cabeçuda e babava tudo que não fugisse a tempo. Aos 3 tive a minha primeira memória (que ainda mantenho) do dia antes do nascimento do meu mano. Nunca me ocorreu escrever até a 2008, mas eu e histórias sempre tivemos uma ligação muito forte: em miúda lia tudo e mais alguma coisa, aos 15 tinha mais livros que os mais pais e irmão juntos, quando entrei para a faculdade descobri os Roleplaying Games (basicamente, pessoas sentam-se à volta de uma mesa e contam histórias, usando dados e regras para introduzir um elemento de surpresa nas histórias), e pouco depois jogava-os online, o que implicava escrever tudo. Fui desafiada a entrar no NaNoWriMo por um amigo quando, durante uma discussão sobre a fantasia nacional, lhe disse que escrever livros era fácil, o difícil era escrevê-los bem. E provei que era verdade (quer o ser fácil escrever, quer a falta de qualidade). Desde então, bom, vivo no Porto com livros a mais, juízo a menos, e a minha constante tendência de não ser capaz de resistir a desafios interessantes, por mais doidos que sejam. Ah, e todos os dias me prometo que amanhã vou voltar ao ginásio.
MGL: Escreves, desenhas, dás aulas e estas a aprender japonês, impressionante! Qual é que te dá mais prazer neste momento?
ACS: Como referi antes, eu adoro desafios. E enfrentar desafios novos é o que acaba por me dar mais prazer, por isso é que acabo por ter tantos hobbies diferentes. E cada um me dá prazer à sua maneira, por isso é difícil escolher um. Nisso sou um bocado cíclica: durante algum tempo só penso em escrita, outras vezes só me apetece ler, ou jogar computador, ou tentar juntar-me aos Illuminati, ou desenhar, ou pintar, ou ver séries de televisão. Recentemente acabei 4 meses intensos de escrita: NaNoWriMo em Novembro, seguido de um jogo online de RPG que acabou em Fevereiro (escrita todos os dias). Estava a planear fazer algo diferente (como ler, só li 3 ou 4 livros nestes últimos dois meses o que para mim é, bom, anormalíssimo), mas tenho um livro para acabar de escrever para uma companhia de jogos indies, por isso estou a dar na escrita outra vez durante os próximos dias. Confesso que ultimamente me tenho sentido fascinada com escultura, e ando a pensar começar por plasticina que é para ver se é só mania temporária ou se devo arriscar a investir mais.
MGL: Onde é que podemos ver mais o teu trabalho representado?
ACS: Depende do trabalho que quiserem ver. No site do NaNoWriMo tenho os resumos e excertos das minhas novelas de ano passado e de à dois anos, no Camp NaNoWriMo também (o meu nome é ACSilva). Tenho a minha galeria do Deviantart (ladyentropy.deviantart.com), que não tem assim grande coisa porque sempre fui um bocado preguiçosa a meter coisas e tinha muito mais entusiasmo quando era miúda e ia para lá postar todos os dias -- agora actualizo muito pouco e como ainda estou a tentar melhorar a minha técnica de pintura tradicional, só tenho postado estudos e esboços (e a capa da Fénix 2, que fui obrigada a fazer sob pressão em dois dias, e que acho que é por isso que saiu melhor que o normal). A própria Fénix 2 é um showcase do meu trabalho: o desenho e pintura da capa são meus, tem um conto (o meu primeiro! Nunca escrevi contos porque nunca achei que tinha jeito para isso), e uma ilustração interior, pintada pela Ana Nunes que pinta muito melhor que eu (a capa, como tem cores esbatidas e o estilo Arte Nova, dá para disfarçar a minha azelhice!). Para coisas inesperadas, fiz arte para o jogo de RPG "Agents of S.W.I.N.G.", um RPG de spy-fi humorístico inspirado pelas séries de espiões dos anos 60 (como Os Vingadores, O Santo, etc.) -- e estou agora a escrever um livro sobre vilões para o jogo. Não me perguntem como é que fui elevada de ilustradora para developer\escritora. Suspeito que é essa a beleza das companhias indies - é-se pau para toda a obra. Como sou extremamente crítica da minha "obra", tenho sempre a noção que nem o meu pior inimigo merece levar com ela em cima, por isso, na maior parte das vezes, mantenho-a escondidinha no meu disco duro e nos meus muitos cadernos.
MGL: Conhecemo-nos no NaNoWrimo de 2011, desde aí tens participado regularmente, qual a tua opinião sobre a "utilidade" de escrever intensamente durante um mês, acabando um livro com mais de 50.000? Já publicaste algo que tenhas escrito no NaNoWrimo? Ou conheces?
ACS: Eu sou grande apologista do NaNoWriMo e dessa loucura que é escrever uma novela em 30 dias, para além do tradicional "convence as pessoas a tentarem" e "é um bom remédio contra o medo" e "o primeiro passo é o que custa mais". Eu acho que mais jovens autores portugueses deviam tentar fazer o NaNoWriMo antes de publicar, porque o nosso país, apesar de ter muita tradição de boa escrita, ainda mostra alguma inexperiência no campo de "literatura como entretenimento descartável". Lê-se pouco, como já se sabe, mas muitos dos mencionados jovens autores que publicam (e ainda mais que queriam publicar ou escrever um livro mas acham que não conseguem) fazem-no com a ideia que escrever um livro é algo que só um grupo de iluminados consegue -- e que ou consegues escrever um livro ou não consegues. E que se conseguiste escrever um livro inteiro, quer dizer que és um dos iluminados e acabou. Na realidade, escrever um livro inteiro é fácil. O problema está em escrever BEM. E quase ninguém escreve bem à primeira. Note-se que não me acho melhor que outras pessoas por ter noção disto - eu era assim também e demorei muito tempo a aceitar que escrever não é alquimia ou artes mágicas. É como qualquer outra arte, como desenhar: tentar, falhar, tentar outra vez, aperfeiçoar, sofrer, dizer palavrões, recomeçar do início. Eu apercebi-me disto exactamente por causa do NaNoWriMo - que o primeiro manuscrito que nos sai das mãos não é o melhor que podemos fazer. É o pior. É o pior mas não faz mal -- é a parte mais importante, o ponto de partida. É como termos encontrado o tecido mais perfeito do mundo -- lindo, mas até ser um vestido deslumbrante vai precisar de MUITO trabalho. Eu tenho contacto com alguns dos autores portugueses que escrevem fantasia urbana, o meu género favorito, e noto que há uma certa tendência em ver livros como filhos, quase: quando saem de ti, são lindos e perfeitinhos, e tirando uma limpeza (de gralhas e gramática), não se mexe mais! Para mim (e o NaNoWriMo meteu-me isso na cabeça), a escrita não é perfeitinha nem bonitinha quando sai da primeira vez - é algo que tem potencial mas vai precisar de muita porrada para ficar "bom". E o NaNoWriMo, com um prazo tão curto prova mesmo isso: não nos iludimos com o que sai à primeira é bom só porque demoramos dois anos a escrever o livro -- temos um mês, e é impossível algo bom (ou pelo menos algo que não possa ser melhorado) sair dali. Nunca publiquei algo que tenha escrito no NaNo, mas quase: o meu conto desta Fénix "O Estranho Caso do Livro Sem Palavras" foi planeado no NaNoWriMo de 2011 (originalmente ia ser para a Fénix nº1) e primeiras 2000 palavras do conto foram escritas também nesse NaNoWriMo (queria chegar às 160.000 palavras nesse mês). Infelizmente, a maior parte dessas palavras acabou por ser cortada na versão final do conto (era uma cena inicial que explorava mais a relação da protagonista e do seu misterioso padrinho). E, curiosamente, o livro em que estou a trabalhar agora foi quase todo escrito na edição de Agosto do Camp NaNoWriMo. Quando a publicar material de NaNoWriMo conheço, sim, muita gente que publicou e até ficou famosa como essas edições -- pessoalmente conheço alguns portugueses, e de "ouvir falar" conheço o caso do "Como Água para Elefantes", que foi adaptado para o cinema recentemente, o "Night Circus" que foi um bestseller ano passado, e muitos outros, todos eles novelas que começaram como projectos de NaNoWriMo. Muitos autores (como a Kim Harrison, Gail Carriger, etc) usam mesmo o NaNoWriMo para escreverem o primeiro manuscrito da sua próxima obra, e depois passam o resto do ano a corrigi-lo.
MGL: Queres referir algo que te pareça importante mencionar e deixar aqui algum contacto?
ACS: Sim. Subornos em forma de livros e\ou chocolate são sempre bem-vindos. Apesar de ser facilmente subornável tenho gostos muito simples (vide os supra-citos livros e\ou chocolates). Se bem que os livros ultimamente andam um bocado puxados, mas não há-de ser nada. Podem ser em inglês. Podem sempre contactar-me via pombo-correio, sinais de fumo ou vasos comunicantes. Ou através do meu email anacladasilva@hotmail.com.
@Todas as imagens deste post são da autoria da Ana C. Silva.
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